``Todos vigiados``: documentário faz o retrato da vigilância electrónica no mundo
Realizado por Sylvain Louvet, o documentário “Tous surveillés: 7 milliards de suspects” (“Todos vigiados: 7 biliões de suspeitos”), que o canal francês ARTE tem vindo a emitir (a última difusão será a 19 de Junho) é uma reportagem de grande fôlego que traça o estado actual da vigilância electrónica no mundo.
Existem hoje em todo o mundo mais de 500 milhões de câmaras equipadas com sofisticados programas de Inteligência Artiificial que permitem a todo o tipo de governos um controle sem precedentes sobre os cidadãos. Trata-se também de um mercado em plena expansão avaliado, de acordo com algumas estimativas, em 40 biliões de dólares anuais.
Se a situação já era preocupante, a pandemia do coronavirus veio criar condições para um incremento ainda maior no uso destas tecnologias.
Para ajudar a combater a pandemia do coronavirus muitos governos, em diferentes regiões do mundo – da China à India, de Israel aos EUA, da África do Sul à União Europeia – estão a recorrer, cada vez mais, a tecnologias que permitem monitorizar, com grande detalhe e precisão, a vida dos seus cidadãos. Pulseiras electrónicas, redes de camâras de vigilância com sistemas de reconhecimento facial, drones equipados com câmaras térmicas para medir à distância a temperatura e uma multiplicidade de aplicativos para smartphones fazem parte de um arsenal que não cessa de crescer e de se diversifcar.
Embora, neste momento, perante a situação de emergência que se vive, o uso destas “tecnologias de vigilância” esteja a ser aceite pelas populações como uma ferramenta útil no combate à pandemia, várias organizações internacionais estão a lançar alertas antecipando a possibilidade de que, passado o “estado de emergência”, estas tecnologias, claramente invasivas da privacidade indivudual, possam continuar a ser usadas. E mesmo a União Europeia – através do European Data Protection Board – já veio a público, por diversas vezes, alertar para a necessidade de garantir que a colheita e o uso de dados dos seus cidadãos, para efeitos do combate ao coronavirus, se faça no quadro da legislação existente de protecção dos “direitos e liberdades fundamentais” no que toca à sua privacidade.
De acordo com o Digital Rights Tracker, um website criado por uma organização baseada no Reino Unido e que acompanha a evolução, a nível global, do uso destas “tecnologias de vigiância”, existem neste momento pelo menos 25 países que estão a desenvolver programas massivos de controle dos seus cidadãos. Muitos deles apresentam configurações que indiciam que o seu desenho está a ser concebido na perspectiva de continuar a ser utilizado no período pós-pandemia.
O indíce do Digital Rights Tracker, que contem informação detalhada por região do mundo e também por país, mostra que as “tecnologias de vigilâncias” estão a ser implementadas tanto por regimes autocráticos como democráticos. De acordo com Ron Deibert, do Citizen Lab da Universidade de Toronto (Canadá), em declarações ao jornal “Guardian”, “é preciso estar muito alerta” porque esta pandemia oferece um potencial para implementar sistemas de vigilância globais muitissimo superior ao que aconteceu a seguir ao 11 de Setembro até porque, ao invés do que então acontecia, a Indústria dos Dados (Big Data) é hoje não só considerada mais valiosa do que a do petróleo como constitui a base do que Shoshana Zuboff, da Harvard Bussiness School, designou como o modelo em que assentará o “capitalismo digital” do século XXI (“The Age of Surveillance Capitalism”, 2019).