O “crescimento das fronteiras invisíveis”, móveis, cria uma delimitação que “não é fixa no tempo e no lugar; é composta por portais legais, ferramentas de vigilância e avaliações de risco baseadas em IA, em vez de paredes de tijolo”, explica a Open Democracy.
A passagem é garantida por passaportes electrónicos biométricos, com reconhecimento facial ou da íris, análise aos dedos ou palmar.
Essa fronteira não terá guardas humanos visíveis e os indivíduos podem ser video-perseguidos após saírem dos locais de chegada, dependendo do seu grau de risco determinado por uma IA. Naturalmente, “se o corpo se torna o nosso bilhete de mobilidade e subsistência (ou, inversamente, um gatilho para a sua negação), os riscos e oportunidades de uso e abuso são imensos”. E se “’conhecimento é poder’, então ‘dados são controlo’”.
E servem para o controlo dos cidadãos, como sucede com os cartões de identificação. Dos mil milhões de pessoas que não têm uma “prova oficial de identidade”, 40% está em África, estima o Banco Mundial citado pela Reuters. Querendo acelerar o processo, alguns governos avançaram para modelos de identificação digital, alegadamente pela “sua facilidade, eficiência, maior segurança e prevenção de fraudes e menor custo em comparação com os sistemas analógicos”. Mas eles têm sido alvo de críticas.
O sistema de identificação da Índia, “o maior do mundo, foi criticado por deixar de fora cerca de 100 milhões de pessoas vulneráveis, muitas das quais sem-abrigo ou transgénero e a quem foram negados serviços essenciais”.
No Uganda, mais de seis milhões de pessoas não receberam o seu cartão de identificação biométrico. O Ndaga Muntu é um sistema obrigatório mas excluiu “uma larga proporção do registo da população, em particular mulheres e idosos, que os levou a um maior empobrecimento e até à morte”, segundo a Biometric Update. Os ugandeses enfrentam “mais dificuldades no acesso aos cuidados de saúde, enquanto o sistema de identificação digital, financiado em parte por organizações internacionais e doadores como o Banco Mundial e o UKAid, é denominado de ‘arma de segurança nacional ”.
Isso é assumido pelo responsável do Ndaga Muntu, o militar Aronda Nyakairima, para quem “esta é uma forma de monitorizar e saber onde as pessoas estão. É outro elemento a ser adicionado ao nosso arsenal de armas de segurança”.
A falta de identificação dificulta o acesso a cuidados de saúde e a assistência social mas também a aquisição de telemóveis, poder votar, ter uma conta bancária ou viajar – uma “morte social” em vida.
A Nigéria bloqueou a recepção de chamadas em 73 milhões dos 198 milhões de telemóveis por não estarem ligados ao sistema de identificação digital. Segundo a Reuters, “os críticos observaram que o programa fornece ao governo muitas informações que podem resultar em problemas de privacidade. Mas o governo insiste que o programa ajudará a reduzir cibercrimes como o roubo de identidade”.
No Quénia, a situação é semelhante desde que o governo impôs o Huduma Namba (“número de serviço” em suaíli) em Fevereiro de 2019. “Uma das principais falácias inseridas na forma como a tecnologia digital é desenvolvida e implementada é que a eficiência técnica pode de alguma forma compensar ou resolver as falhas políticas. O Huduma Namba é uma recordação de que é impossível entender que efeitos uma tecnologia digital terá numa sociedade sem entender a sociedade em primeiro lugar. E se a discriminação estiver inserida na maneira como os sistemas de identidade são concebidos para funcionar? E se as pessoas que têm poder não quiserem incluir os grupos minoritários?”, questiona a Rest of World. Em resumo, “se um estado ou sistema tem uma reputação de coerção, vigilância e opressão, um sistema de identificação digital não vai resolver isso; só pode piorar as coisas”.
Por- Pedro Fonseca