Sun Ra recebeu o nome de Herman Blount, em 1914, no Alabama. Desde cedo procurou o seu caminho nos livros e na música, buscando referências de culturas antigas. Apenas aos oito anos as vibrações do antigo Egipto atingiram-no, com a abertura do túmulo de Tutankamon em Luxor, a sul do Cairo. Este evento marcou o seu imaginário para toda a vida.
Um dos gigantes do Jazz mundial, Ra tocou na grande orquestra de Fletcher Henderson, em Chicago, e mais tarde, nos anos 50, formou as suas próprias bandas, primeiro “Space Trio” e finalmente “Arkestra”, a banda que tornou a sua figura lendária.
Foi também um dos primeiros objectores de consciência negros na Segunda Guerra Mundial, tendo cumprido uma pena de 39 dias numa cela sobrelotada, e sido depois enviado para o Campo 48, um campo de serviço público civil, onde acabou por ser libertado após uma análise psiquiátrica que revelou uma personalidade psicopática com tendências para a depressão neurótica e perversão sexual.
O mito que criou à sua volta muitas vezes ofuscou as suas extraordinárias qualidades enquanto músico e compositor, ridicularizando-o e por vezes sugerindo que a persona que criara servia a estratégia de aumentar as vendas dos seus discos.
“Eu tenho muitos nomes”, assegurava Ra na biografia mítica Space is The Place – The Lives and Times of Sun Ra (biografia de Jophn F. Szwed, Pantheon Books, 1997), “Há quem me chame Mr. Ra, há quem me chame Mr. Re. Há até quem me trate por Mr. Mystery”.
Visualmente, Sun Ra causava uma forte impressão onde quer que aparecesse. Ostentava mantos egípcios com listras douradas e enorme artefactos sobre a cabeça que remetiam ao sol, conforme as representações de Ra, o deus egípcio do sol. Não apenas ele, todos os membros da Arkestra encarnavam figuras ancestrais e intergalácticas, celebrando juntos a exuberâncias de novos mundos.
Músicos da actualidade ainda hoje fazem referência ao estilo arrojado que criou. No circuito Pop, a cultura de massas absorveu o que seria da ordem da contra-cultura, buscando referências ao fenómeno de Ra.
Ao longo dos últimos anos, Ryhanna, Beyonce, e a sua irmã Solange Knowles levaram vestimentas exuberantes com potentes vibrações astrais a palco, celebrando o lugar conquistado pelos afro-americanos no cosmos da ficção científica.
Considerado um dos mentores, senão O Mentor do Afro-futurismo, Ra afirmava publicamente que tinha sido raptado por extraterrestres de Saturno e regressado com a missão de salvar o planeta terra.
Uma das suas preocupações era libertar os povos africanos do racismo e da opressão, tornando o mundo num lugar melhor através de “música que podia mudar o planeta, música espacial que anunciava outros mundos, mais felizes” (“A Pure Solar World: Sun Ra and the Birth of Afrofuturism” (ensaio de Paul Youngquist, University of Texas Press, 2016).
Os seus ensaios tornaram-se lendários em todo o mundo, Ra vivia em comuna com a sua banda e fazia ensaios de pelo menos 12 horas seguidas, com interrupções para falar dos seus temas preferidos: cosmologia e egiptologia. Quando um membro da banda não cumpria a rotina, era trancado em armários ou submetido ao “tratamento real” – era colocado em frente ao palco, de onde lhe era anunciado que, por falta de disciplina, não poderia tocar naquele espectáculo.
Sun Ra escreveu e participou como actor no filme “Space is the Place” (1974), uma das grandes referências do Afro-futurismo ainda nos dias de hoje, onde a personagem que encarna quer salvar os afro-americanos de uma explosão eminente no planeta terra, usando a música como meio de transporte. Nas suas entrevistas e concertos aproveitava também para propagar profecias sobre a libertação do seu povo, o que o tornava para além de músico, um reconhecido activista.
Sun Ra transitou para outro plano a 30 de Maio de 1993. Mais de um século após o seu nascimento terreno, uma nova geração segue os seus ensinamentos e a sonoridade revolucionária da sua música.
Em 2014, “In the Orbit of Ra” surge como uma compilação do trabalho de Sun Ra, apresentada pela Strut Records. Ainda hoje a Askestra perdura, liderada pelo saxofonista Marshall Allen.
Sun Ra persiste vivo como o profeta do Afro-futurismo.
I do invite you be of my Space World
This Song is Sound of Enlightenment
The Fiery Truth of Enlightenment
Vibrations come from the Space World
Is of the Cosmic Starry Dimension
Enlightenment is my Tomorrow
It has no planes of Sorrow
Hereby, our Invitation
We do invite you to be of our Space World.
(…)
(Enlightenment, album Jazz in Silhouette, Sun Ra and his Arkestra)