Cripto-entusiasmo financeiro e empresarial
O interesse nos NFTs cativou entidades do mercado financeiro. A Visa adquiriu um dos avatares digitais da colecção CryptoPunk por quase 150 mil dólares, com um dos responsáveis da empresa a antecipar que “os NFTs vão desempenhar um papel importante no futuro do retalho, media social, entretenimento e comércio”.
Em Maio, a eBay permitiu a venda de NFTs na sua plataforma, após anunciar que aceitava criptomoedas. É dinheiro digital, é um “novo dinheiro”, como diz Spike Lee, realizador e narrador de “The Currency of Currency”, um anúncio publicitário à CoinCloud. É um dinheiro “positivo, inclusivo, fluido, forte, culturalmente rico. Onde o status é tudo menos status quo”, diz.
Em Maio, a eBay permitiu a venda de NFTs na sua plataforma, após anunciar que aceitava criptomoedas. É dinheiro digital, é um “novo dinheiro”, como diz Spike Lee, realizador e narrador de “The Currency of Currency”, um anúncio publicitário à CoinCloud. É um dinheiro “positivo, inclusivo, fluido, forte, culturalmente rico. Onde o status é tudo menos status quo”, diz.
Esta “exclusividade no mundo digital” é também reconhecida pela Dirt: “como pessoas racionais da era moderna, ficamos muito ansiosos com os frenesins dos consumidores por bens sem um óbvio valor inerente. Existem as reacções esperadas: os NFTs são uma bolha! Eles são os próximos [peluches] Beanie Babies! Certamente ninguém é ingénuo o suficiente para acreditar que são ‘belas artes’ (excepto esta galeria de Hong Kong). No nosso desespero por explicações credíveis, surgiu uma justificação convincente para os NFTs: eles são símbolos de status. Pelo menos os próprios criadores acreditam que sim”. No entanto, ” talvez a própria história do símbolo de status seja um álibi: os NFTs são investimentos especulativos que aspiram a ser qualquer coisa além de serem apenas investimentos especulativos”.
O objectivo é “cavalgar” a onda, mesmo sem saber onde se irá desfazer, porque os NFTs estão a criar novas oportunidades quando “activos como instrumentos financeiros, imóveis e bens de luxo estão a ser registados imutavelmente na ‘blockchain’. Para as empresas, está na altura de verem os seus dados como um activo. Os NFTs corporativos permitem-lhes fazer isso”.
Eles “criam oportunidades para novos modelos de negócio que não existiam antes“, num apelo às marcas explicado por Frédéric Montagnon, da plataforma de luxo Arianee: “passamos a maior parte do tempo a olhar para ecrãs. Vivemos cada vez mais pela representação digital do mundo do que pelo próprio mundo. Isso significa que, para uma marca, a única representação física se torna muito parcial”. Ora “os NFTs são a oportunidade para as marcas se apropriarem de novos territórios, criando passaportes digitais, representações digitais de um objecto real, até mesmo objectos puramente virtuais”.
As marcas querem captar os “eyeballs” dos consumidores, imersos numa economia da escassez da atenção e interessados em enriquecer com os NFTs, como ilustra Douglas Rushkoff.
“Conheço muitos jovens brilhantes que se podem ter interessado pela ‘blockchain’ por grandes motivos, que agora gastam boa parte do seu tempo e dinheiro a negociar e a especular em tokens da mesma forma que os ‘traders’ de Wall Street especulam em acções, derivativos e até mesmo nas bolsas em que a negociação ocorre. Em vez de terminais Bloomberg, têm Binance ou Hotbit ou Coinbase Pro nos seus ecrãs. E estão a ler notícias e tweets para ver o que está a dar. Assim como os banqueiros que a ‘blockchain’ deveria substituir, estes cripto-entusiastas estão a tentar enriquecer”. Mas, concede, “muitas poucas pessoas estão a ganhar dinheiro com os NFTs”.
A constatação é visível num gráfico da Statista relativo à venda mundial dos NFTs até Março. Com “Everyday”, Beeple consegue mais do triplo do que as três obras seguintes: CryptoPunk 7804, CryptoPunk 3100 e “Crossroads”, também de Beeple.
Uma lista mais recente demonstra a mesma tendência de sucesso restrito, registando valores baixos nalgumas das principais plataformas de venda de NFTs. E “entre os 3.000 maiores coleccionadores de arte, (…) apenas 20% comprou arte online, apesar de 90% visitar sites de galerias”, nota a Artnet.
Mas um movimento financeiro de sucesso dinamizado por artistas não é totalmente novo. Há 30 anos, David Bowie esteve “envolvido em inovação no mundo da finança”, com o seu gestor financeiro Bill Zysblat e o banqueiro David Pullman. Eles idealizaram um “esquema” para rentabilizar o catálogo musical do artista, através da venda dos “Bowie bonds” – ou “Pullman bonds”, como também foram conhecidos.
Basicamente, estas obrigações financeiras davam aos compradores a possibilidade de as rentabilizar nos 10 anos seguintes pelos “royalties” de 25 discos e dos concertos ao vivo, com uma taxa anual fixa. Bowie obteve desta forma 55 milhões de dólares.
Um modelo semelhante está agora a ser dinamizado pelo financiamento do Founders Fund e da Paradigm à plataforma Royal, um “marketplace” de NFTs sobre direitos musicais com retorno do investimento consoante o sucesso dos artistas.
Um mercado maduro para fraudes
Como sucede com as criptomoedas, este é um mercado que parece estar sempre à beira do “rebentar da bolha”, porque como “todos parecem movidos por cálculos cínicos de dinheiro, em vez de qualquer visão dos NFTs, suspeito que as coisas em breve irão colapsar“, argumenta o investidor Aaron Brown. Este colapso poderá ser ajudado pelos esquemas fraudulentos que já se fazem notar.
Derek Laufman é um artista que descobriu estar a vender NFTs seus sem os ter criado. Na plataforma Rarible, estava uma conta verificada em seu nome que Laufman teve de denunciar no Twitter como falsa e que só depois foi desactivada. Mas alguém já tinha adquirido uma sua “obra”, validada como genuína e vendida por alguém que se assumiu como o verdadeiro criador.
O artista sérvio Milos Rajkovic (ou Sholim) teve uma experiência semelhante, com mais de 120 das suas obras à venda por 50 mil dólares. “As pessoas estão a ser roubadas”, diz. “Sinto-me responsável porque gostam do meu trabalho e alguém está a usar-me para as roubar. É tão frustrante”.
As plataformas apenas agem após queixa do autor dos originais, como também descobriu o ilustrador Simon Stålenhag ou a Giphy, agregador de GIFs, com imagens a serem processadas e vendidas como NFTs. O que prova estar-se perante “um mercado maduro para fraudes“.
Um outro “artista”, conhecido apenas por @neitherconfirm, enganou compradores mostrando-lhes retratos digitais que, depois de adquiridos, foram modificados para mostrar “imagens de tapetes feios“.
Noutros casos, os interessados em NFTs de tweets descobriram que os mesmos tinham sido apagados, tendo assim pago por nada.
Em Março, vários NFTs foram roubados das contas de utilizadores da plataforma Nifty Gateway, juntamente com o registo de cartões bancários que foram usados para adquirir outras obras na mesma plataforma.
Em Abril, foi conhecido o caso dramático de abuso das obras da falecida ilustradora Qinni. Ela morreu em Fevereiro de 2020 e este ano o irmão revelou que a identidade dela tinha sido usurpada para vender NFTs dos seus desenhos.
Em Setembro, um falso Banksy foi vendido por 330 mil dólares. Intitulado “Great Redistribution of the Climate Change Disaster”, o leilão do NFT foi ligado (e depois apagado) ao site oficial do artista, estratégia que convenceu o comprador.
Para a jornalista Amy Castor, “qualquer pessoa pode criar uma entidade sobre qualquer coisa e vendê-la num ‘marketplace’. Provavelmente não há muitas protecções. Mas o importante é que não se está a comprar nada”, porque “não há realmente nenhum valor intrínseco nisso, a não ser quanto outra pessoa vai pagar por isso”. Ou seja, “é tudo especulativo”.
Mesmo assim, “parece quase paradoxal que um espaço cujos utilizadores são geralmente fluentes em cibersegurança tradicional possam ser vítimas com tanta facilidade”. A explicação é que “no espaço dos NFTs, onde uma cultura de comunidade, vibrações e cliques rápidos em bons negócios impera, são os esquemas sociais os mais atraentes”.
Pedro Fonseca– Jornalista e editor do TicTank