NFT amigo do artista
Ao ler títulos como “Este programador de 12 anos pode ganhar mais de 400 mil dólares após cerca de dois meses a vender NFTs” ou “Como ganhei 50 mil dólares em três dias com NFTs” parece estar-se perante algo tão legítimo como vender areia no deserto. Mas foi assim que, no último caso, Paul Stamatiou intitulou a sua experiência e explicou como nalguns “marketplaces” – plataformas de venda online – existe “a capacidade dos criadores especificarem uma percentagem de ‘royalties’ ao listar a sua colecção. Isso significa que o criador receberá continuamente o pagamento por qualquer venda dos seus NFTs, mesmo que não esteja envolvido na transacção e seja entre dois outros utilizadores. Isso é incrivelmente amigo do criador “.
Normalmente, “quando alguém compra uma obra de arte física, está a comprar apenas o objecto físico” e não os direitos autorais da obra, que “permanecem com o artista”, explica o Keep It Legal Blog.
Quem “possui uma pintura a óleo original, pode exibi-la em casa ou onde quiser, e pode vender ou emprestar a pintura a alguém, mas não pode fazer cópias dela, vender versões impressas ou fazer novos trabalhos baseados no original”, excepto em casos bem delimitados.
“Os direitos autorais só podem ser transferidos com base num contrato por escrito. Portanto, se o artista concordar em vender-lhe os direitos autorais da pintura a óleo, você terá esses direitos” mas isso apenas “significa que os direitos autorais são separados ou abstraídos do próprio ‘trabalho’ real”.
As “regras que se aplicam às obras de arte físicas aplicam-se à arte digital. O facto de a obra possuir um certificado de propriedade na forma de um NFT não as altera” embora faça emergir novas questões legais. E é natural que se imponham dúvidas: as obras “valem realmente centenas de milhar de dólares“?
.“Royalties” amigos do artista
Uma explicação para este interesse é dada por Judy Mam, co-criadora com Beatriz Ramos do Dada.art, “a maior colecção de arte digital rara pronta a ser convertida em NFTs”.”Como artista comercial de sucesso, Beatriz sentiu que os artistas capturam apenas uma fracção do valor que criam para marcas e empresas. Artistas independentes lutam para ganhar a vida num mercado de arte baseado em especulação e enormes investimentos para coleccionadores, mas sem ‘royalties’ nas vendas secundárias para os artistas, e que é basicamente um ‘star system’ onde apenas um punhado de artistas (principalmente homens brancos) lucram. Os artistas em geral criam um valor enorme para a sociedade, mas não são remunerados de maneira justa ou adequada. Propusemo-nos acabar com o paradigma do artista faminto”, recorda Mam.
A intervenção pode ter diferentes abrangências, como sucede com Tais Koshino, do DiverseNftArt, “uma comunidade para artistas NFT Mulheres, BIPOC e LGBTQIA+” e um dos projectos apoiados pela plataforma Hic Et Nunc, lançada em Março de 2021 por Rafael Lima.
Apesar das críticas a este “desastre ambiental“, a proliferação de NFTs vai das imagens digitais de Alexis Christodoulou a aves em extinção nas Seychelles ou à colecção “Messiverse” do futebolista Lionel Messi.
Pablo Rodriguez-Fraile fundou o Museum of Crypto Art. O Japão teve a primeira exibição de NFTs na CrypTOKYO. Em Portugal, Bruno Maçães, autor e ex-secretário de Estado, leiloou o NFT “Geopolitics”, o artista Leonel Moura disponibilizou 15 NFTs e o humorista César Mourão viu a “oportunidade” para criar “um emoji de máscara mal posta“.
O British Museum aproveitou a oportunidade para vender NFTs de 200 obras de Katsushika Hokusai – incluindo a famosa “The Great Wave” -, em associação com “startup” LaCollection, aproveitando a exposição “Hokusai: The Great Picture of Everything“.
No cinema, o primeiro documentário cripto-financiado “The Underground Sistine Chapel“, realizado por Yohann Grignou e Antoine Breuil sobre o cripto-artista Pascal Boyart (PBoy), teve uma oferta de NFTs antes da estreia.
Na música, os Kings of Leon anunciaram o lançamento do seu novo disco “When You See Yourself” também como NFT com ofertas de acesso exclusivo a material audiovisual.
Em Maio, a Merriam-Webster anunciou a venda da definição de NFT no seu dicionário como NFT, enquanto no jornalismo, a Quartz vendeu o que se crê ser o primeiro artigo noticioso em NFT, com o Nieman Journalism Lab a escrever sobre “um dos eternos truísmos do jornalismo: o valor das notícias como um produto raramente corresponde ao que o mercado pagará por elas”. O NFT da Quartz ultrapassou os 1.800 dólares mas uma imagem da agência Associated Press conseguiu mais de 180 mil dólares.
“É uma prova de conceito que os NFTs por si só podem financiar uma pequena empresa de media”, afirmou Kyle Chayka sobre a sua newsletter diária Dirt, que obteve 33 mil dólares numa semana, dos quais 20 mil no primeiro dia.
Pedro Fonseca – Jornalista e editor do TicTank