``Mobile Secrets``: um estudo sobre os usos do telemóvel entre os jovens de Inhambane
Um sinal dessa viragem – em linha com o que vinha acontecendo noutros países – era a rápida massificação no uso dos telemóveis. De acordo com os dados disponíveis, a taxa de penetração, nessa altura atingia já os 20% e a intensificação da concorrência entre as duas principais operadoras prenunciava desenvolvimentos ainda mais significativos e espectaculares (o que, efectivamente, se veio a verificar).
A eloquência das estatísticas parecia justificar a convicção, enunciada com vigor por muitos economistas e políticos, de que a disseminação dos telemóveis iria ter um impacto substantivo nas políticas de desenvolvimento – pela facilidade e rapidez de acesso que permitiria na obtenção de “informação útil” em múltiplos domínios, como a saúde ou a educação – ajudando a “salvar África” e a “erradicar a pobreza”.
Mas o alcance desta “revolução tecnológica” – que possibilitava que a maior parte do continente saltasse directamente da quase inexistência de infra-estruturas de comunicação para a modernidade, “queimando etapas”, como a do “telefone fixo” que, noutras latitudes, tinham perdurado durante décadas – alimentava também uma expectativa de crescimento económico sustentado, diminuição das desigualdades e efectiva democratização política.
Este optimismo era visto, no entanto, com alguma prudência por muitos investigadores e académicos ligados à área das ciências sociais os quais, tendo desenvolvido “trabalho de campo” nos mais diversos contextos (rurais e urbanos) e em países e regiões de África com níveis diferenciados de desenvolvimento, vinham publicando estudos sobre os modos de apropriação dos telemóveis pelas comunidades – e os seus impactos nas formas de socialização e de distribuição dos recursos – cujos resultados, não só espelhavam uma realidade diferente como punham em causa a lógica subjacente a muitas das “narrativas” mais difundidas as quais pecavam, na sua perspectiva, por uma visão essencialmente “ideológica” que se consubstanciava numa “crença cega” de que a tecnologia seria, só por si, indutora de mudanças económicas e sociais.
Julie Archambault
É neste contexto que a investigação de Julie Archambault se irá desenvolver. Depois de três anos consecutivos passados em Inhambane (e mais algumas visitas pontuais), os resultados e a análise da antropóloga foram agora publicados pela University of Chicago Press, num livro intitulado “Mobile Secrets: Youth, Intimacy and the Politics of Pretense in Mozambique”.
Um livro que vale a pena ser lido e que corrobora outros estudos entretanto realizados. Veja-se, por exemplo, o volume “Everyday Media Culture in Africa: Audiences and Users”, recentemente publicado, e que oferece uma panorâmica abrangente sobre a paisagem mediática em África. Em ambos os casos, do que se trata é de romper com as visões estereotipadas e os “clichés” sobre as formas de apropriação das novas tecnologias da comunicação em África.