MFF 2021: a produção de imaginários na formulação de uma utopia mobilizadora para o século XXI
Na introdução ao seu livro “Afrotopia”, o ensaísta e escritor senegalês Felwine Sarr sublinha que “as sociedades instituem-se antes de mais através dos seus imaginários que são as forjas das quais emanam as formas que as sociedades assumem para nutrir a vida e aprofundá-la, para alçar a aventura social e humana a outro patamar. Esses imaginários evoluem também porque se projectam no futuro, concebem as condições da sua perenidade e, para tanto, transmitem um capital intelectual e simbólico às gerações seguintes, sustentam um projecto de sociedade e civilização, edificam uma visão do homem e definem as finalidades da vida social”.
Ao destacar a centralidade da produção de imaginários como elementos determinantes na formulação de “projectos de sociedade e civlização”, Felwine Sarr não se refere apenas à urgência de África precisar de se re-imaginar e “inventar a sua metáfora de futuro” mas, de um modo mais amplo, ao imperativo que se coloca às sociedades contemporâneas para, em conjunto, levaram a cabo esse exercício, face à dimensão épica e sem precedentes das ameaças e desafios com que o Planeta se vê confrontado, nas suas múltiplas vertentes ambientais, económicas e sociais.
Uma das dimensões críticas deste exercício passa por, como o processo das mudanças climáticas em curso tão eloquente e incontornávelmente vem demonstrando, pela capacidade de reequacionar a relação da Humanidade com a Natureza. Mas, mais do que uma busca de “re-equilíbrios”, há porventura que – como notam, entre outros, autores como Isabelle Stengers, Bruno Latour e Eduardo Viveiros de Castro na formulação da sua “visão cosmopolítica” – romper com um “quadro conceptual”, até agora dominante, no qual todos os seres operam apenas em dois modos de existência, isto é, ou enquanto entidades “naturais” ou “culturais”.
Para estes autores, a Terra tem de ser entendida como um “solo comum” sendo que, a actual crise ambiental é consequência deste “quadro conceptual” o qual, ao opôr “Cultura” vs “Natureza”, permitiu aos Humanos (supostos detentores do conhecimento exclusivo e absoluto da “realidade objectiva”) justificar o seu direito à exploração dos seres/entidades “naturais”. Por forma a romper com este “quadro conceptual”, estes autores defendem que chegou o momento de “resgatar” outros “sistemas de conhecimento” e “ontologias”, nomeadamente, daqueles povos e comunidades que consideram a Terra e todos os seres/entidades que dela fazem parte como aliados e parte integrante da nossa existência colectiva e não apenas como uma inesgotável fonte de “recursos” a explorar.
Haverá assim que proceder a uma re-conceptualização radical dos “Humanos” enquanto “Terranos”, uma tarefe tão complexa quanto desafiadora, em particular, no que concerne à forma como o diálogo e a articulação entre os diversos “sistemas de conhecimento” e “ontologias” se poderá processar no sentido de configurar uma “cosmovisão” suficientemente articulada e capaz de enfrentar a “crise existencial” que o Planeta atravessa.
É neste contexto que a edição de 2021 do festival Maputo Fast Forward/MFF, se pretende constituir como um espaço de reflexão que contribua para a “conversa global” em torno do futuro do Planeta e dos diversos seres e entidades que o habitam, estimulando, nomeadamente, a “produção de imaginários” inspiradores e alternativos que alimentem, de algum modo, a formulação duma “utopia mobilizadora” para o século XXI