``Madgermanes``: uma banda desenhada para resgatar uma história esquecida
A ideia para o livro surgiu durante uma viagem a Moçambique. Em entrevista à Deutsche Welle, Birgit Weyhe, conta como tudo aconteceu: “Deparei-me com o tema madgermanes pela primeira vez há nove anos, em Pemba, quando fui visitar o meu irmão. Tudo aconteceu em um pequeno bar quando houve uma quebra de energia. Ouvi alguém a falar alemão comigo. Estava escuro. Pensei tratar-se de um alemão, mas quando as primeiras velas iluminaram o local, vi que era um moçambicano negro. A minha primeira reação foi de surpresa. Depois, eu disse-lhe o quão perfeito era o seu alemão. Perguntei onde ele havia aprendido a língua e ele contou-me que morou durante anos na extinta RDA e que lá ele era um trabalhador moçambicano sob contrato. Até aquele dia, eu nunca tinha ouvido falar nos madgermanes”.
Anos mais tarde, Birgit Weyhe regressa a Moçambique e é nessa altura que o projecto de fazer um livro sobre a história dos “madgermanes” começa a tomar forma.
Concebido como um entrecruzamento, em termos formais, entre o modelo clássico da “banda desenhada” e o da “novela gráfica”, a narrativa desenvolve-se seguindo as tendências mais recentes da “banda desenhada-jornalistica” – o que lhe confere uma componente factual muito precisa e documentada – ao mesmo tempo que a linguagem tipica da “novela gráfica” lhe permite dar densidade aos personagens e aos ambientes.
Com efeito, Birgit Weyhe desenvolveu o projecto a partir de um extenso trabalho de investigação e os três personagens centrais do livro – José, Basílio e Anabela – resultam das muitas entrevistas que fez com “madgermanes” (tanto em Moçambique como na Alemanha).
Tendo crescido, durante a infância e a adolescência, em África (Uganda e Quénia), Birgit Weyhe sentiu, também ela, ao regressar à Alemanha, com 19 anos, o que era a sensação de “desenraízamento” que aflige muitos migrantes quando regressam à sua terra natal. Daí que tenha sentido, ao conceber o livro, uma grande afinidade e identificação com a situação dos “madgermanes”.
Mas uma das motivações mais fortes para a realização do livro foi o facto de Birgit Weyhe se ter dado conta que esta era uma “história esquecida”.
Em declarações à recista francesa “Jeune Afrique”, aquando da saída do livro nas edições Cambourakis, a autora refere: “Há um verdadeiro deficit de memória. As pessoas da antiga Alemanha de Leste e, em particular, os jovens da ex-RDA, não fazem ideia de que existiu esta imigração. Tenho mesmo a sensação que os mais velhos, que conheciam esta realidade, não estão sequer muito interessados em recordar esses tempos”.
Este “esquecimento” deve-se, porventura, entre outras razões, ao facto de, apesar da suposta “solidariadede socialista”, estes moçambicanos se terem visto confrontados na Alemanha com uma dura realidade sendo, muitas das vezes, utilizados nas fábricas para realizar as tarefas mais pesadas e “alienantes” e, embora não se possa falar de “racismo”, foram, na verdade, socialmente ostracizados.
Mas também em Mozambique, a situação actual dos “madgermanes”, criou em Birgit Weyhe o desejo de “fazer saír do esquecimento” a sua realidade: “Em Maputo, muitos me disseram que o livro deveria ser traduzido para português, mas até agora ninguém falou comigo…”