CIÊNCIA & TECNOLOGIA
Gourmet Grubb quer desenvolver produtos a partir de insectos.
E para começar já há sorvetes…
Tal como está a acontecer com a introdução dos carros eléctricos, a indústria alimentícia está também a ajustar-se para melhor atender às nossas necessidades, tanto em termos de nutrição como de sustentabilidade.
Durante o Design Indaba, uma conferência para criativos nas áreas do design, arquitectura e moda, que teve lugar nos finais de Fevereiro, na Cidade do Cabo, na África do Sul, conversámos com Leah Bessa, uma cientista alimentar que está a revolucionar a indústria alimentícia, tornando-a mais acessível aos intolerantes à lactose através do Entomilk, um substituto ao leite lácteo, feito de insectos. Em conjunto com Llewelyn de Beer e Jean Louwrens criaram a “Gourmet Grubb” para desenvolver o conceito.
Leah fez parte dos 40 criativos seleccionados para participar da exposição colectiva intitulada “Designers Emergentes”, que ocorreu durante a conferência de 3 dias.
A entrevista foi conduzida por Filomena Mairosse.
Radar (R): O que a fez entrar para a ciência alimentar?
Leah Bessa (LB): Estudei ciência alimentar inicialmente porque gosto muito de ciência e queria encontrar uma forma práctica de aplicá-la. O que realmente me interessou na ciência alimentar foi que havia um aspecto criativo associado ao desenvolvimento de produtos e eu gosto dessa estrutura. Há muitas possibilidades nas ciências mas eu eu gosto sobretudo da parte criativa. Então entrei em ciência alimentar com a ideia de focar-me no desenvolvimento de produtos, que é onde me encontro agora, porque gosto da ideia de poder mudar algo que já existe e torná-lo ainda melhor ou pegar em coisas que as pessoas não esperam e torná-las consumíveis.
R: Há, de facto, muito que se pode fazer na ciência alimentar. Numa altura em que a maior parte das pessoas está a tentar criar versões “mais saudáveis” das coisas que actualmente consideramos “não saudáveis”, o que a fez olhar para os insectos?
LB: Quando fazia a minha licenciatura, eu tive que criar um produto e, na altura, tinha um amigo que estudava Entomologia.
R: O que é Entomologia?
LB: O estudo de insectos. Eu procurava ideias para o projecto e ele disse-me, “Olha, eu só sei de insectos”, então, pensei, “Hey, há pessoas que comem insectos!” Mas naquela altura tudo isto era ainda muito novo. Pensei, por isso, que não teria impacto se fizesse o estudo a uma escala muito pequena. Então inscreví-me para fazer o meu mestrado pesquisando insectos como uma forma alternativa de proteína. O tema era também muito novo para a Universidade [Stellenbosch] e, depois de ter estudado fora por algum tempo, descobri que as possibilidades eram muito maiores do que eu pensava. Deixou de ser uma coisa estranha, onde as pessoas diziam, “Tu queres estudar insectos?” e passou a ser algo que elas entendiam como tendo muito potencial em termos de sustentabilidade.
R: Pode explicar brevemente esse aspecto, o da sustentabilidade?
LB: Eu foquei-me especificamente em “insectos cultiváveis”. Não queria trabalhar com insectos que são “criados” como os vermes da espécie Mopane, então usamos insectos que podem ser “cultivados”. De momento, estou a trabalhar com uma empresa chamada AgriProtein onde eles cultivam larvas de Black Soldier Fly (Hermetia Illucens) que são muito fáceis de cultivar. Elas crescem num ambiente do qual gostam, crescem em espaços muito pequenos por isso usam muito pouca terra, muito pouca água, muito pouca comida e, o melhor de tudo, é que elas também podem ser alimentadas com matéria reciclável como a matéria vegetal que os humanos não consomem (como, por exemplo, os caules de bróculos)
R: Vi que estão a oferecer aqui na exposição sorvete para as pessoas experimentarem. Porquê sorvete? Foi a primeira coisa na qual pensou para implementar o material produzido?
LB: A jornada foi longa. Comecei durante o mestrado. Olhei para os produtos alternativos à carne animal mas esse mercado já está muito saturado. Tentei portanto encontrar uma indústria que realmente precisasse de uma alternativa e a indústria de lacticínios está sob muita pressão no que diz respeito à sustentabilidade e ao bem-estar dos animais. As alternativas aos productos lácteos existentes no mercado são muito caras ou não têm a composição nutricional ideal daí ter pensado que era só uma questão de encontrar uma forma de converter estes insectos que eu sabia que tinham este potencial para uma alternativa aos produtos lácteos. Foi aí que surgiu a questão, “Como é que convenço as pessoas a experimentarem o produto?” Procurei então olhar para as alternativas aos produtos lácteos como um todo e ocorreu-me a ideia do sorvete. O sorvete foi só um veículo para fazer com que as pessoas experimentássem esta alternativa e vissem que ele pode ser saboroso e não partissem daquele preconceito de que, porque é feito a partir de insectos, tem de ser necessariamente uma coisa “nojenta” mas que realmente pode ser muito saboroso.
R: Como é que foram escolhidos os 3 sabores apresentados aqui no Design Indaba? Temos chocolate, manteiga de amendoim e chai. Existem outros sabores?
LB: Temos mais um sabor, é o de bolo de banana. Estamos a usar ingredientes crus e naturais então há limitações nos ingredientes que se podem utilizar se não queremos usar aromatizantes artificiais. O chocolate é feito empregando cacau puro, a manteiga de amendoim é manteiga de amendoim real e o chai é feito com temperos de chai. Quanto ao nosso bolo de banana ele é feito com bananas e canela de verdade. Existem algumas restrições aos sabores que podemos fornecer se quisermos usar ingredientes completamente naturais. E foi por isso que escolhemos estes sabores.