Embora mesmo antes da actual situação pandémica várias entidades e organizações de saúde tenham detectado a existência de uma emergente “epidemia de solidão” nas sociedades contemporâneas (devido sobretudo ao estilo de vida dominante), e haja hoje uma abundante literatura sobre o assunto, que analisa as raízes, as componentes de saúde e as consequências sociais e económicas desse fenómeno, muitos especialistas têm vindo agora a público chamar a atenção para a necessidade de, não apenas ter em consideração esta realidade pré-existente mas, sobretudo, agir tendo em mente as situações de quarentena e os danos psicológicos que ela irá ter.
É neste contexto que uma das mais prestigiadas publicações científicas do mundo, a revista “The Lancet” , acaba de publicar um artigo em que procede a uma revisão e síntese de toda a literatura médica existente sobre os danos psicológicos resultantes de períodos de quarentena.
O artigo está estruturado de uma forma clara e numa linguagem que, embora contenha referências mais académicas, é acessível a leigos. Tornando claro que as quarentenas têm, comprovadamente, efeitos psicológicos duradouros nas populações que são sujeitas a este tipo de condinamento forçado, o artigo começa por analisar como algumas características individuais (história pessoal, posição social, etc. ) podem influenciar a dimensão dos danos psicológicos durante uma quarentena.
Identifica, de seguida, alguns dos factores (“stressors”) que propiciam o desencadeamento de perturbações psicológicas (incerteza quanto à duração da quarentena, medo de ser infectado, ansiedade em relação à continuidade da existência de mantimentos suficientes, ciclos crescentes de revolta, frustração e tédio, desorientação face às informações das autoridades, etc.).
No capítulo subsequente, o artigo revê a literatura médica sobre os efeitos pós-quarentena destacando, em particular, as consequências traumáticas que advêm sobretudo das “perdas financeiras” (falências, desemprego, etc.) e das rupturas que essas perdas geram, normalmente, nas redes sociais tradicionais (amigos, colegas, familiares, etc.)
O artigo dá, por fim, algumas indicações de como mitigar os efeitos psicológicos resultantes de períodos quarentena. Mas é peremptório: todos os estudos indicam que os danos psicológicos podem ser substanciais, amplos e variados (stress pós-traumático, depressões profundas, etc.) e duradouros, alertando para o facto de que, a não serem tomados em conta, os seus impactos, a prazo, sobre os individuos, os sistemas de saúde e a economia poderão ser quase tão devastadores como a pandemia que esteve na origem da quarentena.