Bélizaire e as crianças Frey é uma obra datada de 1837 e atribuída ao pintor e retratista neoclássico franco-americano Jacques Guillaume Lucien Amans (1801-1888), que trabalhou em Nova Orleães entre as décadas de 1830 e 1850 e era popular entre a elite local. O quadro representa, da esquerda para a direita, Léontine, Elisabeth e Frédéric, filhos de Frédérick Frey, banqueiro e comerciante de origem alemã que vivia numa mansão do Bairro Francês de Nova Orleães, e de Colette Coralie Favre D’Aunoy, membro de uma família ilustre da cidade que remonta à época colonial (1507-1773).
Mas o traço distintivo desta obra americana da primeira metade do século XIX é sobretudo a presença de um adolescente mestiço, perdido em pensamentos e subtilmente encostado a uma árvore, que acompanha as três crianças brancas, frescas e sorridentes no cenário do Bayou. A obra levanta, obviamente, muitas questões, pois é um dos raros exemplos de um retrato de uma família proprietária de escravos de origem europeia que optou por incluir o retrato de um jovem de ascendência africana, sugerindo que este era um membro valioso da família, apesar do seu estatuto de escravo. No entanto, esta figura misteriosa nem sempre foi visível, porque entre o final do século XIX e o início do século XX, por razões ainda pouco claras, foi escondida na decoração sob camadas de tinta, embora fosse sempre possível projetar uma sombra que revelasse a sua presença. “Nenhum branco, qualquer que fosse o seu estatuto social, em Nova Orleães, naquela época, teria querido que um negro fosse representado e exposto com a sua família”, explica Katy Shannon, especialista em história do Louisiana. O aumento do racismo nos Estados Unidos após a abolição da escravatura em 1865 contribuiu provavelmente para o desejo de esconder esta figura embaraçosa.
Nascido em janeiro de 1822 no Bairro Francês, filho de pai desconhecido e mãe escrava, e identificado com o nome próprio de Bélizaire, a figura misteriosa foi de facto comprada pela família Frey quando tinha apenas seis anos. Com cerca de 15 anos na altura em que a pintura foi feita, era provavelmente o guardião dos filhos do seu proprietário. Enquanto as duas filhas, Elizabeth e Léontine Frey, morreram de febre amarela em 1837 (ano da realização do quadro), respetivamente com cinco e nove anos de idade, o filho Frederick não sobreviveu muito mais tempo. Quanto a Bélizaire, a única personagem do quadro a atingir a idade adulta, foi vendido por 1200 dólares com Sally, a sua mãe cozinheira, em 1856, à famosa plantação de cana-de-açúcar Evergreen, após a morte de Frédéric Frey e a falência das suas empresas. Como não há vestígios de Bélizaire nos arquivos da época posterior a 1861, outras questões legítimas se colocam: terá ele sobrevivido à Guerra Civil (1861-65)? Existiram descendentes? Várias gerações mais tarde, em 1972, Audrey Grasser, a tetraneta de Coralie Favre D’Aunoy, decidiu finalmente doar o quadro ao Museu de Arte de Nova Orleães (NOMA) que, desconhecendo o nome do artista, se contentou em guardá-lo durante 32 anos nas suas reservas, em vez de o expor ou de procurar desvendar os contornos esbatidos da figura obscurecida. Em 2005, a obra foi finalmente vendida em leilão na Christie’s em Nova Iorque a um colecionador da Virgínia por 7.000 dólares.
Em 2021, o colecionador e historiador Jeremy Simien, crioulo de nona geração de ascendência africana e europeia e apaixonado pela exploração do seu património familiar, comprou o quadro, assombrado pelo facto de Bélizaire ter sido ocultado. Depois de ter terminado o restauro da obra, pediu à historiadora Katy Shannon para investigar as figuras retratadas nos registos do recenseamento da época. “Esta é uma grande descoberta. As pessoas vão finalmente conhecer o nome e o rosto da quarta personagem. Belizaire é o substituto de tantas pessoas cujos retratos não foram pintados e cujas histórias não foram contadas”, explica Katy M. Shannon. O colecionador decidiu finalmente desfazer-se desta peça preciosa que o tinha fascinado, convencido de que o seu lugar era num museu.
Depois de ter estado em exposição durante mais de seis meses no Ogden Museum of Southern Art, o quadro Bélizaire and the Frey Children chegou finalmente a Nova Iorque esta primavera, adquirido pelo famoso Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque, na esperança de trazer de volta à vida o jovem rapaz mestiço que foi pintado fora da história, tanto literal como figurativamente, durante mais de 100 anos. Nem o Met nem Jeremy Simien revelaram o montante pago pelo museu. “Sem os esforços inestimáveis de Jeremy Simien e Katy Shannon para descobrir a identidade deste jovem, o quadro estaria provavelmente ainda numa coleção privada, fora da vista e desconhecido. A aquisição desta pintura rara é um trunfo excecional para a ala americana da nossa instituição, sendo o primeiro retrato naturalista de um sujeito negro identificado numa paisagem do Louisiana. Permite-nos romper com a história romantizada da arte americana e abordar muitas das ausências e assimetrias da coleção à medida que nos aproximamos do 100.º aniversário da Ala Americana em 2024”, afirma Sylvia Yount, curadora do museu nova-iorquino. Desde o surgimento do movimento Black Lives Matter, vários museus internacionais responderam aos apelos para ter em conta a representação de figuras negras e expor as raízes das desigualdades sistémicas. No Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque, desde a reabertura das galerias europeias em 2020, o museu incluiu textos de parede para destacar a presença de africanos na Europa e chamar a atenção para questões de racismo até então ignoradas.
Texto de Christine Cibert.
Cartel da obra :
Bélizaire et les enfants Frey, óleo sobre tela, 120 x 92 cm, criado em 1837 em Nova Orleães, atribuído ao artista Jacques Amans (1801-1888), modificado no final do século XIX, restaurado em 2005 e novamente em 2021, conservado desde a primavera de 2023 no Metropolitan Museum of Art em Nova Iorque.