A Indústria da desinformação: 5 livros para reflectir sobre a era da ``pós-verdade``
Se dúvidas ainda houvesse, o ano de 2020 tornou claro como a “desinformação” se tornou numa indústria florescente e potencialmente mortal para os sistemas democráticos. Apesar do Facebook ter sido obrigado, nos últimos meses, a reagir em várias frentes – boicotes de anúnciantes, denúncias internas sobre a “tolerância” suspeita de Mark Zuckenberg à publicação de conteúdos racistas e de extrema direita na sua plataforma, crescendo de litigação com a União Europeia e mesmo o despertar do Congresso norte-americano para a necessidade de regular a sua actividade – e o Google ter sido confrontado também sobre aspectos duvidosos, senão mesmo distorcidos, no uso dos seus algoritmos de pesquisa, alguns observadores consideram que o “momento da verdade” poderá estar a chegar para um sector que tem conseguido, até agora, consolidar um poder e uma influência sem qualquer tipo de controle. A sua responsabilidade na configuração do que se tem vindo a designar a “era da pós-verdade” já não parece sofrer contestação. E o seu impacto tóxico sobre os media tradicionais, que lutam agora pela sua própria sobrevivência, contribuiram para um mundo onde proliferam a mentira, as notícias falsas, os “factos alternativos” e as teorias da conspiração que põem em risco a sobrevivência das democracias. Neste contexto, deixamos aqui 5 sugestões de leitura para compreender melhor a actual situação.
- Os Engenheiros do Caos – Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar as eleições – Giuliano da Empoli (Vestígio Editora, 2019)
Nascido em Paris em 1973, Giuliano da Empoli dirige o think tank “Volta”, com sede em Milão. Ex-aluno da escola Sciences-Po de Paris, foi secretário de Cultura da cidade de Florença e conselheiro político de Matteo Renzi (ex-primeiro-ministro italiano). Neste estudo, Giuliano da Empoli analisa como a ascendência dos movimentos populistas no mundo, o Brexit e a eleição de Trump ou Bolsonaro são fenómenos que estão directamente ligados à capacidade analítica da tecnologia de Big Data e à produção de algoritmos específicos que exploram e instigam a conflitualidade nas redes sociais.
- Manipulados – Como a Cambridge Analytica e o Facebook invadiram a privacidade de milhóes e puserem em cheque a democracia – Britanny Kaiser (HarperCollins Brasil, 2019)
A Cambridge Analytica foi a protagonista principal de um dos maiores escândalos em tempos recentes quando se soube que tinha utilizado ilegalmente informação de milhões de utilizadores do Facebook para desenvolver “perfis” e estratégias publicitárias (os chamados “dark ads”) que, através das redes sociais, contribuiram para influenciar o referendo do Brexit e a eleição de Trump (mas não só, pois também terá “ajudado”, por exemplo, campanhas politicas no Quénia e no Uganda). Brittany Kaiser, que trabalhou na Cambridge Analytica e foi uma das responsáveis pela “fuga de informação” que permitiu ao mundo saber o papel da empresa e do Facebook nessa operação, faz neste livro um relato detalhado de como operava esta empresa de “mudança de comportamentos” (como a Cambridge Analytica se defini a si própria).
- Os Quatro – Apple, Amazon, Facebook e Google – O Segredo dos Gigantes da Tecnologia – Scott Galloway (Alta Books, 2017)
Scott Galloway é docente da Stern School of Business da Universidade de Nova Iorque e colabora regularmente em publicações como o “New York Times”. Neste livro, Galloway “desmonta” a narrativa mítica e glorificada criada em torno das 4 empresas mais influentes da actualidade. Particularmente interessante é a análise de como elas adquiriram o poder de manipular as necessidades emocionais básicas que orientam o comportamento dos humanos e, desse modo, condicionar as sociedades contemporâneas.
- Pós-verdade e fake news: reflexões sobre a guerra de narrativas – Fernanda Bruno (Editora Cobogó, 2020)
Doutourada pelo Institut d”Études Politiques de Paris (Sciences Po) e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Fernanda Bruno tem uma extensa obra publicada. Este livro, do qual é coordenadora, tem a particularidade de ser uma análise feita a partir do “Sul Global”. Na introdução pode ler-se: “Desprezo pelo jornalismo tradicional, negação de evidências científicas, disseminação do ódio – na era da pós-verdade e das fake news, o sonho da comunicação sem intermediações que a internet e as redes sociais pareciam anunciar transformou-se numa realidade tão preocupante quanto perigosa, capaz de ameaçar a existência da democracia tal qual a conhecemos. Entender o funcionamento de elementos como os bots, a indústria de notícias falsas e os algoritmos é o primeiro passo para deter a avalanche de obscurantismo e manipulação que atinge o Brasil e o mundo”.
- Merchants of doubt: how a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to global warming – Naomi Oreskes e Erik Conway (Bloomsbury Publishing, 2011)
Neste livro, os historiadores Naomi Oreske (Universidade da Califórnia) e Erik Conway (Instituto de Tecnologia da Califórnia) narram, com base numa pesquisa exaustiva, detalhada e documentada, como algumas indústrias (sobretudo petrolíferas, farmacêuticas e do tabaco) foram directamente responsáveis – através da criação de think tanks, lobbying politico e financiamento de pesquisas científicas “alternativas” – pela criação de “narrativas” as quais, criando “dúvidas” sobre a legitimidade científica de resultados amplamente confirmados, contribuíram para adiar decisões politicas que colocariam em causa o seu modelo de negócio e ajudaram a fomentar, por exemplo, o “negacionismo climático” e estimularam os movimentos “anti-ciência”.