A oferta e a procura por tecnologias de vigilância é uma tendência constante ao longo das últimas décadas e “está intimamente ligada ao problema da ‘bolha de Silicon Valley’ de quem desenvolve e comercializa tecnologias”, escreveu Sam Gregory, director da organização de direitos humanos Witness.
Os picos de interesse ocorrem com eventos disruptivos, como aconteceu no pós-11 de Setembro com “a guerra ao terror” e a rápida assinatura do Patriot Act nos EUA, a 26 de Outubro de 2001. Algo semelhante mas em maior escala e rapidez voltou a suceder na recente pandemia.
Como sintetizou Pedro Ivo Carvalho, “um dos aspetos mais confrangedores em torno do ambiente securitário imposto pela pandemia do coronavírus é a consagração, entre alguns dos nossos decisores, de um campeonato que mede o nível de ousadia de cada um na restrição das liberdades e dos movimentos”.
Esta postura autoritária foi adoptada em mais de 80 países, contabilizou a Human Rights Watch. Alegando a necessidade de impor restrições sanitárias, impuseram limites à liberdade de expressão e, “em pelo menos dez países, os protestos contra o governo foram proibidos ou interrompidos. Informação sobre o vírus que não vinha do governo foi criminalizada como ‘fake news’ ou propaganda”, referiu a The New Yorker.
Perante a desconhecida pandemia, muitos políticos apreciaram as “ofertas” tecnológicas que podiam servir de desculpa para responsabilizar se algo corresse mal. Para “facilitar” a vida ao cidadão, entregaram a empresas os dados biométricos e clínicos, sensíveis, descurando as regras da protecção de dados.
Neste ambiente, o telemóvel foi a tecnologia rastreadora mais eficaz. Não imposto mas usado por vontade inidividual. O seu lado hermético escondido na facilidade de instalação e acesso às aplicações (apps), permite introduzir “spyware” comercial ou governamental, agilizando a criação de perfis individuais com as escolhas políticas, étnicas, religiosas ou sexuais.
Os casos de violação de dados pessoais sucederam-se, acompanhando os grandes episódios dos problemas de espionagem em massa com o spyware Pegasus do NSO Group israelita, ou o caso da Anomaly Six (A6), empresa norte-america que alegadamente monitorizava milhões de telemóveis e cedia informação ao “Defense Department”.
Só a imposição de ter uma app de rastreamento para a Covid-19 gerou alguma revolta e recusa generalizada em diferentes países – provavelmente por colar dados de saúde a imposições de confinamento. Ao juntar o problema da não-garantia de uma anonimização eficaz dos dados, impor a app revelou-se uma tarefa difícil em tempo de pandemia.
Por- Pedro Fonseca