“Corpos Hiperligados: propostas para o Pós-Antropoceno”: compreende o tema do MFF-Festival 2024

Maputo será a capital do pensamento, criatividade e inovação a partir desta sexta-feira, 18 de até dia 26 deste mês de Outubro. O programa oficial do Festival Maputo Fast Forward (MFF) 2024 já é público e pode-se constatar que reúne uma diversidade de intervenientes de alto nível para mergulhar num tema fora do comum na linguagem quotidiana, mas por onde gravitam as acções das pessoas e importante para compreender estes tempos. “Corpos Hiperligados: Propostas para o Pós-Antropoceno” é o tema central e procuramos compreender as suas nuances com os curadores de Tassiana Tomé, antropóloga e investigadora, e João Roxo, designer e artista visual.

Com uma programação que inclui uma conferência internacional, espectáculos multidisciplinares, exposições, rodas de saberes e um bazar de iniciativas inovadoras, este ano, o MFF, propõe-se a olhar e discutir questões relacionadas à crise ecológica e climática, estendendo o debate para as intersecções com outras grandes crises globais, como as democracias e o aumento dos conflitos armados, factos estes que  se reflectem, mais tarde, nas nossas relações humanas e individuais (com o nosso próprio corpo).

Queremos trazer estas discussões olhando para futuros alternativos. Por isso nós falamos de propostas para pós-Antropoceno”, avança Tassiana Tomé. O Antropoceno é esta época geológica, em que se registam danos irreversíveis causados pelo consumo excessivo de recursos naturais, reflexo das actividades humanas no meio ambiente. Assim, a proposta do pós-Antropoceno é pensar nas distintas formas de vida que podem ser consideradas e construídas para a obtenção de um modelo de regeneração e ligação mais saudável com a terra, a fim de que permaneça um espaço habitável para todos os seres vivos.

João Roxo esclarece que “estabelecemos uma ligação entre diferentes escalas da nossa vida, a planetária, social, humana e temporal, então é dentro deste enquadramento que nós trazemos propostas para um futuro melhor através da arte, da tecnologia e da inovação”, que actuam como catalisadores para mudanças sociais.

Um dos importantes momentos de reflexão será a Conferência Internacional, durante o festival, onde os participantes vão explorar diferentes vertentes do tema, considerando a terra como organismo vivo, em diferentes dimensões de “corpos”: o Corpo Planeta, o Corpo Social, o Corpo Humano e o Corpo Temporal. Serão painéis compostos por oradores que se dedicam a estes temas, incluindo questões ligadas ao pan-africanismo, activismo e feminismo. A moderação estará sob responsabilidade de moçambicanos, como forma de redirecionar os assuntos levantados ao contexto moçambicano. Por outro lado, o público estará em diálogo com assuntos que embora pouco explorados internamente, estão em voga nos outros países africanos e um pouco por todo o mundo. Essa é, aliás, a essência do MFF: conectar levar o mundo para Moçambique e conectar Moçambique com o mundo. 

Perspectivas feministas e decoloniais

Uma forte presença de mulheres entre os painéis da conferência já seria por si um sinal, mas mais do que isso, há toda uma estrutura de curadoria pensada para que o debate assumisse vários pontos de vistas, capazes de agregar e apontar o futuro com equilíbrio. Segundo a antropóloga Tassiana Tomé, “queríamos que houvesse uma representatividade significativa de mulheres. Temos cinco moderadores moçambicanos, dos quais quatro são mulheres” e explica ainda que serão colocadas à mesa perspectivas feministas e decoloniais, que trazem uma visão que transcende o paradigma eurocêntrico de pensar as questões quer ecológicas, sociais ou políticas.

Desde logo, no painel de abertura da conferência que será na sexta-feira, às 16 horas, estará Patrícia McFadden, uma feminista radical africana, socióloga, escritora, educadora e editora de Eswatini, ao lado de Achille Mbembe, professor de história política e Rolando Vázquez, professor de Teorias e Literaturas Pós-Decoloniais, com foco no Sul Global, com a moderação da socióloga e feminista moçambicana Isabel Casimiro.

O MFF traz uma proposta que para alguns pode parecer complexa, já que incorpora conceitos novos e menos comuns no cotidiano moçambicano. Assim sendo, a principal intenção do MFF é transpor as ideias dos espaços académicos ou nichos específicos para um público mais amplo, para que temáticas antes restritas alcancem novos circuitos.

Queremos instigar mais esta curiosidade e provocar o público a ter sede de mais e a buscar mais conhecimento sobre os temas abordados. Nós tentamos fazer as coisas de forma que não ficasse algo académico, mas que una diferentes perspectivas. Nós temos artistas, activistas, pessoas com experiência em ONG, da academia ou da pesquisa, mas a ideia é que diferentes perspectivas possam entrar em diálogo”, afirma Tassiana Tomé. 

Conectar pessoas e causas

A organização do MFF-2024 estará concentrada no mesmo espaço, sem alterar a sua multiplicidade. Esta “inovação” também foi tida em conta no processo de curadoria, ao pensar em formas de garantir uma presença da comunidade criativa, no com vista a estabelecer maior engajamento e uma massa crítica de pessoas interessadas em debater assuntos relevantes e profundos.

Estão programadas Rodas de Saberes, destinadas a jovens estudantes universitários, artistas e activistas. Essa é uma das novidades da edição 2024 do Festival e poderá funcionar como extensão da conferência internacional. O objectivo é proporcionar momentos mais íntimos em ciclos de aprendizagem sobre conservação, economia e ecologia profunda, ecofeminismo, e arte decolonial. As participações a estes momentos são limitadas, mediante inscrição prévia.

Permitir que pessoas ou causas que estejam conectadas possam a partir dali criar sinergias”, diz Tassiana Tomé, a sublinhar que, com as rodas de saberes, pretendem, desta vez, garantir que haja um momento para se criarem colaborações, sem esquecer as trocas de informações.

Esta edição do MFF, é um comprovativo de que é, de facto, possível fazer muito com pouco, mas também demonstra a urgência de mudanças nas condições da arte e da cultura, para que não permaneçam precárias. 

Ligando a tecnologia e a arte

Serão apresentadas, igualmente, sete exposições hiper-multidisciplinares que reúnem artistas nacionais e internacionais, umas no dia 19 e outras no dia 21 de Outubro, e estarão em exibição até dia 26 do mês em curso (último dia do Festival), no JFS Tower.

São obras individuais, mas de certa forma relacionadas entre elas. 

Convidamos cada um dos artistas a apresentar algo que tenha alguma ligação com o tema desta edição”, afirma João Roxo e reforça que “é aí onde entra esse exercício de curadoria, de tentar estabelecer ligações dos conteúdos todos, tanto das exposições, dos painéis e conferências, como das rodas de saberes, porque assim nós temos a oportunidade de trazer pensadores e artistas de práticas diferentes para não só exporem o seu trabalho, mas também para engajarem uns com os outros”.

Maputo Fast Forward 2024 promete, assim, ser um espaço de confluência de ideias que conectam Moçambique ao mundo e vice-versa. É uma oportunidade de transformar Maputo num lugar de encontros com o mundo e fomentar discussões que visam reimaginar o futuro a partir de perspectivas africanas inclusivas.

Artigo por

Júlio Magalo

Outubro 15, 2024

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